Nossas vidas estão fora
de ordem. Vivemos numa correria insana. Não temos tempo para nós e muito menos
para aqueles que amamos. “Criámos uma época caracterizada por uma falta de
tempo crónica. Toda gente vive apressada, correndo para a próxima reunião ou actividade,
longe do momento presente. Temos a sensação de estar sempre a fazer a coisa
errada no momento errado – de que devíamos estar a fazer outra coisa. Há sempre
outra coisa, algo mais importante a exigir nossa atenção.” E neste corre-corre,
nos desumanizamos e nos fechamos para os relacionamentos, vivemos
solitariamente para não mostrar quão frágeis somos.
Somos pessoas frágeis.
Podemos tentar aparentar ser fortes, até esconder nosso sofrimento e as nossas
dores, mas a verdade é que somos seres frágeis e na nossa fragilidade queremos
um ombro amigo, desejamos alguém para partilhar a nossa dor. Ficamos como
crianças machucadas que desejam correr ao encontro dos braços abertos de nossas
mães, mas na falta deles, queremos um abraço amigo.
É justamente quando
ficamos dependentes, quando sofremos e sentimos a dor é que reiniciamos o nosso
processo de re-humanização. “Sabia que longe do sofrimento e da dor não há
humanidade”. É na hora da aflição e do sofrimento que mais percebemos o outro e
que mais desejamos o outro pelo outro independente de quem ele seja ou do que
ele tenha. Na dor, na nossa dor profunda, queremos partilhá-la e queremos que
ela seja sentida. O sofrimento nos humaniza.
Quem deseja cuidar, deve
assumir a sua dor. Precisa tocar e ser tocado. É interessante ver as narrativas
dos evangelhos, quantas vezes diz que Jesus viu as pessoas e teve compaixão
delas. Viu e foi tocado. Gosto muito da parábola do samaritano. Ele viu, mas se
deixou tocar pelo que viu e ao ser tocado pelo sofrimento alheio, agiu. Cuidar
é simplesmente por o amor em ação. É ser envolvido de compaixão.
Cuidar é tocar, mas antes
de tocar é ser tocado na sua própria humanidade. É ver e agir. É ir ao encontro
do outro. É dar, mas compreender que o dar não é necessariamente coisas, mas
fundamentalmente de si mesmo. É fazer-se presente e ter a coragem de tocar e se
deixar tocar. É não ter medo do abraço e acima de tudo, é tocar e se deixar
tocar pelas lágrimas que surgem na experiência da humanização.
Cuidar é preciso e o
cuidado exige o toque. Contudo, na cultura idiotizante onde tudo vira motivo
para queixa de assédio, nos encaramujamos, nos fechamos em nós próprios, não
assumimos que precisamos desesperadamente de um abraço e não abraçamos por
causa do medo do que podem dizer. Tocar é sentir o outro. É percebê-lo e
tratá-lo em toda a sua essência.
Cuidar é tocar e ser
tocado. É se fazer presente e romper com o fluxo da solidão. Devemos lembrar o
seguinte: “A solidão não é ausência de pessoas. É ausência de compreensão e
aceitação. Imensas pessoas por todo mundo sofreram de solidão em salas cheias
de gente. De facto, estar sozinho em salas cheias acentua e agrava muitas vezes
a solidão.” Tocar é dizer, não estás só. Estou aqui contigo. Mesmo que não
tenha palavras, estou aqui e não estás em solidão.
Cuidar é primeiramente
ser tocado. É perceber o outro e depois sair ao encontro dele. É ir e tocá-lo,
não apenas com mãos, mas com o ser. Cuidar é ser como o samaritano. É ver e se
condoer. É parar movido de compaixão e agir em prol do outro. É perceber e
entender que “a compaixão é uma força curativa e emana de um lugar de bondade
para conosco mesmos.” É ser tocado e levado ao encontro do outro para ser tocado
e tocar.
Cuidar é tocar e ser
tocado. Cuidar é viver e partilhar a vida. É acima de tudo, perceber que “a
vida só se acaba mesmo no fim e que podem ainda acontecer coisas espantosas
durante o fecho dessa vida. Até o derradeiro instante, as pessoas poderão
sempre surpreender-nos – podem até surpreender-se a si próprias. É claro que nem
toda a gente que enfrenta a morte consegue, ou quer, aproveitar esta
oportunidade de tratar de assuntos adiados ou de redirecionar a sua história de
vida.” É preciso tocar e quiçá ser tocado no momento final de maneira única e
surpreendente.
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