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CUIDAR É SENTIR


Os sentimentos fazem parte da nossa vida. Apesar de ver muita gente tentando ocultá-los e a sufocá-los, eles são intrínsecos. Somos seres sentimentais e emocionais. Aqui lembro de Altermar Dutra assumindo esta realidade na canção: “Sentimental eu sou”. Eu também sou, tu és, todos nós somos. Os sentimentos fazem parte da vida!
Cuidar é sentir. Sentir é ter a capacidade de se identificar com o outro. É fazer a dor do outro, sua por um momento. Na verdade, quando cuidamos e sentimos o outro, emprestamos o nosso ser para que ele possa expressar seus sentimentos e emoções. Devemos compreender que: “Os sentimentos representam a expressam afetiva de nossa pessoa; assim, nossa vida afetiva começa no nascimento, e talvez antes mesmo disso. Ao passo que as emoções são uma reação não interiorizada (choramos ao assistir um comovente filme), os sentimentos se integram a nossa experiência, nosso EU, nossa estrutura.” Quem cuida carrega os seus sentimentos, mas deve parar para sentir, para se identificar com o que o outro sente.
Cuidar é sentir, mas é olhar para o outro e perspectivar o futuro. Vivemos a olhar para frente, a pensar no futuro e até mesmo o cuidar do outro é sempre olhando não o presente, mas o futuro e este tipo de atitude é gerador de ansiedade e preocupação. É fundamental entendermos o seguinte: “A vida é uma corrida em busca da sua própria essência ancorada na temporalidade.” É nesta corrida, na busca da essência, que no cuidar do outro, preciso parar para sentir e permitir que o outro manifeste seus sentimentos e emoções.
Cuidar é sentir o outro. É sentir suas emoções e sentimentos. É perceber que muitas vezes o outro está carregado de emoções negativas e outras tantas vezes de emoções positivas. Sentir é perceber o que vai no cerne do outro. “Os sentimentos são emoções tornadas conscientes. Embora as emoções se desenvolvam como um processo biológico, culminam como experiências mentais pessoais.” No ato de sentir o outro, busca-se perceber suas experiências e descobrir a sua essência.
Cuidar é sentir e quando sentimos, comunicamos com todo o nosso ser. O sentir faz com que as nossas emoções se manifestem. Elas comunicam. “As emoções fazem nossas mentes falar umas com as outras. São a reprodução mais fiel dos nossos mundos interiores, transmitidos para o exterior pela expressão dos nossos rostos.” É a manifestação da nossa essência. Quando cuidamos e realmente sentimos o outro, há uma ligação forte que faz brotar o que carregamos em nosso íntimo e aí, surge a oportunidade da cura existencial, mesmo que não seja cura física, pois é o momento de aliviar a carga. É a oportunidade de perdoar e ser perdoado. Contudo, é preciso sentir.
Cuidar é sentir e permitir que o outro se revele. Entretanto, quando se cuida, mas se evita a confrontação e exposição dos seus sentimentos e emoções, vive-se um cuidado fictício e cria-se uma barreira de suposta proteção que é danosa tanto para quem cuida como para quem é cuidado.
Cuidar é sentir e ressentir-se. É expressar sua dor e angústia. E este aspecto é essencialmente humano. Saiba que: “Os sentimentos e emoções partilhados pelos cuidadores traduzem sentimentos e emoções negativos e de mal-estar. Algumas dessas reacções emocionais constituem a própria antecipação do desprazer da perda familiar e são antecipação vivida da morte. Os cuidadores manifestam assim o seu pesar através da tristeza e da angústia.” Cuidar é sentir, mas o sentir envolve também sua própria experiência e não se deve ocultar a sua tristeza e angústia e esta acontece como resultado do amor que se sente e se tem pelo outro.
Cuidar é sentir. E todos nós somos seres sentimentais. Sentir é receber e aceitar o outro na sua totalidade. É perceber que “os sentimentos e emoções vivenciados pelos cuidadores e família inserem-se num contexto abrangente, multifactorial, estão relacionados com o próprio cuidador e família, com a dor da perda de uma pessoa querida, com a doença em si, com os cuidados de saúde e com a própria sociedade”. Portanto, o sentir no cuidar vai muito além de quem cuida e quem é cuidado. Ele faz parte do todo e devemos sentir o todo e permitir que haja espaço para a partilha e para a revolta. É preciso sentir, mas sentir com o coração, com sua essência.

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