Avançar para o conteúdo principal

REACÇÕES

O trânsito segue lentamente. E por incrível que pareça, Joana perdeu a vontade de que ele flua com normalidade. Ela perdeu a pressa de chegar ao trabalho. Ela deseja que esse momento não acabe, pois está a reviver tanta coisa num momento tão especial que não há como explicar. Ela está a conduzir o carro e as lágrimas correm-lhe pela face, mas mesmo a chorar ela também sorrir. Hoje nada fará com que ele fique triste. É tudo alegria, pois viu que seu marido ainda a ama como a amava desde o princípio.
Mais uma vez os carros são obrigados a parar. Joana olha para o lado e vê o volvo v50 preto que todas as manhãs passa por ela. É o carro que ela deseja ter. Contudo, hoje ela não olha para o carro, mas para as pessoas que estão dentro dele. Há um casal, ele moreno, aparentando ter uns trinta e cinco anos. A companheira branca, cabelos compridos, castanhos e deve andar pela casa dos trinta. Eles estão a rir e ela fica a olhar e percebe que estão a conversar alegremente. Ela nota que eles também olham para ela, isso a faz ficar envergonhada, porque eles a vêem a chorar. O que ela não sabe é que aquele casal está a ouvir a mesma rádio que ela. Eles estão a falar do programa que estão a ouvir e também da própria relação deles.
Joana envergonhada olha para frente. Não tem coragem de virar o rosto mais para o lado direito enquanto o volvo está ali parado. Entretanto, o casal continua descontraidamente a conversar e a falar sobre o que estão a ouvir. Diante do que escutam, avaliam a própria relação que estão a viver
- Rita, o programa que estamos a ouvir está muito bom. Gostei da ideia deste marido. Há algumas músicas que eu não gosto, mas tudo bem, cada um tem o seu gosto e as músicas que nos marcam são diferentes. Agora confesso-te uma coisa, eu continuo a preferir dizer-te tudo olhos nos olhos. Para surpreender-te penso que não é necessário um programa de rádio, prefiro surpreender-te com uma dúzia de rosas, com um jantar especial.
- Tudo bem Rodrigo, mas eu ficaria bem feliz com um programa dedicado só para mim. Assim eu podia viajar no tempo e ficar a imaginar e reviver tudo o que estavas a dizer. Seria mágico. Creio que essa Joana deve estar transbordando de felicidade. Se o marido estiver ao lado dela, acho que ela deve estar a enchê-lo de beijos.
Os dois dão uma grande gargalhada. Na realidade, eles se encontram no programa também. Mesmo não estando a pensar que a relação caiu na rotina, eles são levados a olhar um para o outro e a abrir o que estava dentro de si e isto faz com que esta manhã seja diferente.
- Olha, já que disseste que usavas algumas músicas diferentes, diz-me lá algumas que utilizarias para me dedicar e falar dos nossos momentos?
- Agora estou sem inspiração. Preciso parar para pensar!
- Não senhor! Diz-me lá, quero saber que músicas nos marcam.
- Eu tinha mais era que ficar quieto. Para que eu fui falar?
- Não tens nenhuma música que nos marque. Não podes falar nada da nossa relação?
- Claro que posso! Sabes bem que não é isso e tenho sempre te mostrado o quanto eu amo-te. Não podes negar isso.
- Não sei! Tu nunca dizes nada. Ficas sempre calado. Sou que tenho sempre que está a dizer que amo-te, que gosto muito de ti. Sou eu que escrevo os bilhetinhos a dizer o quão importante és para mim e nunca recebo nada de volta. Ficas sempre calado.
- Caramba! Será que vais querer brigar agora?
Compro sempre as coisas que tu gostas? Procuro satisfazer todas as tuas vontades. Surpreendo-te com um monte de coisas e isso não conta?
É verdade, eu não fico a cobrar-te prendas. Não fico a dizer que nunca me ofereces nada.
- Eu sei que tu sempre me ofereces um monte de coisas. Sei que queres me ver feliz, mas eu também gostaria de vez em quando receber um bilhete com uma declaração de amor. Também gosto de ouvir palavras de afecto. Isso significaria muito para mim.
- Olha, vamos parar por aqui. Assim nós vamos acabar discutindo. E tu sabes muito bem que eu te amo. Eu te amo muito. Só não sei dizer isso muitas vezes. Para mim isso não faz sentido.
- Mas para mim isso é muito importante. Eu tenho necessidade de ouvir palavras assim.
- Tudo bem, eu vou me esforçar para fazer isso. Quer dizer, eu tenho tentado.
- É verdade, mas agora vamos parar por aqui. Quero é que me fales de uma música que nos marque. Pode começar
- Certo. Teria primeiro que dizer que a música é de Chico Buarque, mas que tinhas que trocar o nome dela para Rita. A primeira música seria Bárbara. Ela fala da relação e mostra que nunca é tarde e nunca é demais. Amar-te é sempre presente. Não é pouco e muito em excesso. É sempre a medida certa. Rita, eu amo-te.
Neste momento, aproveitando que os carros estavam parados Rita atira-se ao pescoço de Rodrigo e dá-lhe um beijo quente e caloroso. É neste momento que Joana vira-se e os vê ali naquele beijo longo e prolongado de amor. É a olhar para aquela cena que ela própria deseja agarrar-se ao marido e beijá-lo intensamente.
Nesse momento de divagação de Joana, ela não consegue dar-se conta que a sua história está afectando a vida de outras pessoas. Outros casais estão a rever seu percurso enquanto estão a ouvir o programa que lhe está a ser dedicado. Um exemplo disso é Gustavo que está num autocarro mais a frente e está com o seu leitor de mp3 sintonizado a ouvir o rádio. Ele está sozinho, mas está a reflectir sobre sua relação com a esposa. Gustavo não imagina que sua esposa também está ouvindo o mesmo programa e também reflecte sobre a relação deles.
Gustavo e Ana estão casados faz cinco anos. Os dois primeiros anos foram muito difíceis. Foram os anos de adaptação e também de luta, pois eles por não terem condições de alugar um apartamento, aceitaram ir morar na casa dos pais de Ana. Sendo assim, a intimidade deles ficou prejudicada. O relacionamento também, pois não tinham autonomia e não podiam decidir nada e isto causou dor e sofrimento a todos.
Gustavo enquanto escuta o programa fica a pensar e diz para si mesmo que se tivesse condições de voltar no tempo não viveria novamente na casa dos sogros. Não que estivesse com raiva deles. Não que fosse ingratidão, mas porque desejava ter espaço e liberdade para viver sua relação com Ana. Ele reconhece que mais valia ter feito um esforço e ir viver numa casa pequena e modesta e juntos construírem os seus sonhos do que passarem por tantas crispações logo no início da relação.
Gustavo continuava a amar Ana, mas por causa das lutas do início haviam feridas que ainda não estavam saradas e este programa estava a mexer com ele. Mostrava que a verdadeira felicidade só seria possível se ele olhasse para trás com alegria e prazer. A alegria só seria plena se pudessem ver que o passado, mesmo tendo dissabores, já não incomoda o presente, não afecta o futuro. Gustavo estava a tratar das suas feridas com aquele programa. Enquanto o escutava, tomou a decisão de ir até a casa dos sogros e falar com eles sobre o princípio e assim, tratar das suas feridas. Ele decidiu ir pedir perdão e oferecer perdão, pois tinha consciência que havia ferido os seus sogros da mesma maneira que tinha ficado ferido e ao fazer isto ele tinha consciência de que estaria dando uma grande alegria à sua amada esposa.
Ana está em casa. Ela trabalha somente pela parte da tarde. Como sempre ela faz às coisas a ouvir música e na sua rádio de eleição estava a escutar um programa que lhe encheu o coração. Ela também ficou a avaliar toda sua relação com Gustavo. Ana viu que no percurso destes anos de relacionamento, muitos problemas poderiam ter sido evitados se ela tão somente não tivesse tomado partido de quem quer que fosse. Mas como não tomar partido. Era-lhe muito difícil ouvir a mãe ou o pai falar do seu marido, mas também era difícil ouvir o marido a falar dos seus pais. Ela então tomou partido sempre de um dos lados, quando reconhece agora que deveria ter sido uma esponja. Ela precisava absorver o que era dito sem ir falar para a outra parte.
Ana fica a reflectir e vê que muitos dos problemas que existem na relação entre os sogros foi ocasionada por causa de sua imaturidade. Ela decide falar com o marido, sem saber que o marido também decidiu procurar resolver o problema existente com os sogros. Ele decidiu que irá falar com os sogros, irá buscar tratar das feridas do passado e assim reconciliar-se para que possa viver uma relação livre e sem traumas. Ela deseja refazer sua relação, mas iniciando de modo correcto e sem traumas do passado.
Lentamente os carros começam a circular novamente. Joana parece que despertou e vai acelerando lentamente para poder chegar ao seu trabalho. Ela vai radiante e querendo que o tempo não passe sem mesmo imaginar que a homenagem que o marido lhe preparou está a mexer com o relacionamento de muitas pessoas.
Sem saber, a atitude de Márcio causou uma reacção em cadeia, pois todos os casais que escutam o programa ficam a reflectir sobre sua própria relação. Mais uma vez cumpre-se a lei da física que diz que toda acção traz consigo uma reacção. Foi isto mesmo, a acção de Márcio em homenagear sua esposa teve como reacção o despertar em muitos casais para avaliarem seu próprio relacionamento.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A Lição do Pássaro

Minha casa está situada num lugar privilegiado. Estou dentro da cidade e ao mesmo tempo no campo. Na frente do prédio temos a agitação dos carros, mas nas traseiras tenho um monte que me coloca em contacto directo com a natureza. Sendo assim, outro dia estava a trabalhar no escritório, quando olhei da janela, vi um passarinho a cantar e despreocupadamente a alimentar-se com tudo o que o Senhor lhe providenciou. Foi a olhar para aquele pássaro que lembrei das palavras do Senhor Jesus: “Não estejais ansiosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer, ou pelo que haveis de beber; nem, quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo mais do que o vestuário? Olhai para as aves do céu, que não semeiam, nem ceifam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta. Não valeis vós muito mais do que elas?” (Mt 6.25-26). Que coisa extraordinária. Jesus nos direcciona o foco. As coisas não podem preencher à nossa mente. Ele afirma clar...

Reencontro

A doença do meu pai alterou os meus planos. Esperava ir ao Brasil com toda a família, para que meus filhos tivessem a oportunidade de conviver com os primos e tios. Entretanto, isto não foi possível. Viajei sozinho e com o coração apertado, pois tinha a convicção plena que seria a última vez que estaria com meu pai. Estava ansioso por chegar em Manaus. Minha querida cidade, a morada do sol. A cidade que eu trago guardada em meu coração. Fiquei surpreso com o seu desenvolvimento e crescimento. Vi que minha cidade mudou, já não a conheço. Tenho no meu imaginário a cidade dos meus tempos de adolescentes e início de juventude. Uma Manaus que não existe mais. Contudo, foi bom reencontrar-me com a minha terra, sentir o cheiro amazónico, poder saborear da culinária típica de lá. Quando chegamos em Manaus, eu e minhas irmãs, fomos para casa do nosso irmão. Ficamos todos juntos novamente. Depois de quinze anos nos reencontramos e infelizmente, o motivo é idêntico, pois quinze atrás estivemos ju...

APENAS O EVANGELHO E NADA MAIS QUE O EVANGELHO

José Régio tem um poema que me revejo cada vez mais nele. “Não vou por aí”. Confesso que esta é a declaração que faço para alguns que se dizem líderes religiosos, mas que não passam de comerciantes da fé. É impressionante o marketing que é feito e como há gente que aceita e segue os que se apresentam com títulos, ou até mesmo, que rasgaram o título e desejam apenas ser tratados por seus próprios nomes. Não vou por aí. Não sigo ideias malucas e promessas de prosperidade, onde apenas os líderes enriquecem, e o simples membro continua com sua vida regrada, apertada, para não dizer com a corda no pescoço. Não dá para seguir quem promete bênçãos e vende a fé e viaja em jato privado que está no nome da igreja ou de uma instituição, mas o membro comum não tem o direito de sequer entrar no tal avião que afinal, é da instituição que ele é membro e sendo assim, também um dos que tem direito de usufruir de tal bem. Não vou por aí e não tem como ir. Não dá para seguir líderes que tentam de...