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TEOLOGANDO

Este texto surgiu num momento de dor e tristeza. Contudo, enquanto o escrevia pude sentir a paz e o consolo do Senhor.

Meu desejo é que possas sentir o mesmo ao leres esta crónica.


nEle que é o Consolador e a nossa Paz




Marcos Amazonas





Teologando



Estamos sentados a conversar, enquanto esperamos que o almoço fique pronto. É início da tarde, procuramos relaxar um pouco, pois a situação é angustiante. Não é fácil ter que ir ao hospital todos os dias e ver papai completamente dependente de cuidados. É triste vê-lo sem reacção, mas temos que ser fortes e ter a consciência de que ele está nas mãos do Pai.
Moysés, para nos agradar resolve fazer um churrasco. Estamos sentados, relembrando as histórias da nossa família. Nesse momento, aparece o nosso tio Dida com o seu sorriso inconfundível. Sempre jovial, o tempo parece que não havia passado para ele. Que alegria foi para nós poder vê-lo. Falamos para ele comer connosco, mas ele disse que já havia almoçado, mas deu-nos a alegria de passar a tarde em nossa companhia. Conversamos sobre a situação do papai e por mais triste que possa ser, reconhecemos que o nosso velho vai nos deixar. Entretanto, este reconhecimento, mesmo sendo algo triste, está marcado pela esperança do reencontro.
Estamos a conversar enquanto almoçamos. Não estamos tristes, mas sim confortados e consolados. Conversa vai, conversa vem e o Dida diz que ainda tem a Bíblia que a Miriam lhe ofereceu. O assunto então passou para a esfera da teologia, mas não para o teologismo. Não para uma conversa árida, cheia de termos académicos. Ficamos a teologar de modo simples, mas profundo. Gidalte sabe do que fala. É alguém com experiência. Conhece o poder de Deus, mas sabe o que é ter estado escravizado pelo diabo. Lembramos das suas lutas com o diabo. Ele falou-nos da crueldade que as hostes espirituais da maldade são capazes de fazer. Falou de como ficou livre dos seus vícios.
Assunto puxa assunto e o tema passou a ser a escatologia. Conversamos sobre o céu e a vinda de Jesus. Uma conversa agradável, sem preconceitos e muito menos barreiras denominacionais. O nosso coração exultava em ver o nosso querido tio firme no evangelho. Seu jeito inconfundível sentado com as pernas cruzadas e a segurar as mãos. Seu sorriso e o rosto a brilhar a falar-nos das coisas de Deus, meu coração está exultante, pois eu sei as lutas trilhadas por ele.
Estamos ali a falar e não vemos o tempo passar. Gidalte fala dos netos. Fala-nos da família que nós não conhecemos, pois com a nossa mudança de estado e país, deixamos de ver o nascimento dos nossos primos. Falar de família nos faz olhar para trás e lembrar os nossos avós e ver o cuidado de Deus para com a nossa família. Todos os nossos temas estão impregnados de teologia e não conseguimos deixar de ficar encantados com isto.
Bem, já estamos no fim da tarde e temos que sair para o hospital para ver o papai. Dida se despede e sai. Nossos corações estão exultantes. Passamos o resto do tempo a falar dele e a lembrar os momentos que vivemos ao seu lado. No hospital as coisas continuam do mesmo jeito. Papai continua em coma e nós vamos ali para dedicar-lhe o nosso amor e dizer que continuamos ao seu lado e que sempre estaremos ao seu lado, pois temos a certeza que nada irá nos separar. O Senhor que irá recebê-lo em breve é o mesmo que nos receberá no seu tempo determinado.
O tempo passa e nós não nos damos conta disso. É dia das mães, Moysés quer que sigamos com Cristina para casa da mãe dela, mas nós não estamos em espírito de festa. Mirza e Miriam estão longe dos filhos e eu estou longe da esposa e filhos, nossa mãe também já está com o Senhor. Os filhos e maridos das minhas irmãs não podem homenageá-las e eu não posso juntar-me aos meus filhos para homenagear minha esposa. Vamos para o hospital e ficamos o tempo permitido com o nosso querido pai. Oramos com ele e conversamos. Cada dia é mais um dia para dizermos o quanto o amamos e também para dizer que não o esqueceremos. Deixamos o hospital e decidimos ir visitar a Suely. Foi um momento muito especial, mesmo tendo sido tão pouco tempo. Saímos e seguimos para casa da tia Dulce. Entretanto, no caminho para casa da tia Dulce, vemos o Dida a lavar o carro com os dois netos. Paramos para falar com ele. Investimos uns quinze minutos em conversa com ele. O seu maior prazer foi apresentar-nos os netos. Teve o cuidado de chamar a neta para nos apresentar. Estava feliz e sorridente. É um patriarca orgulhoso, que mostra sua prole. Deixamos o Dida e seguimos para a casa da tia Dulce. Ali encontramos os primos, é uma alegria muito grande. Eu vi uma foto do meu querido e amado avô, não posso conter a emoção e choro ao pedir que a tia me empreste aquela foto para fazer uma cópia para mim. Miriam fica preocupada e tenta me acalmar. Tudo se normaliza e ficamos a conversar. Como é bom poder estar com aqueles que nós amamos.
Regressamos para casa e eu tenho que me preparar para pregar na Igreja que marcou a minha vida. Tenho que pregar na igreja onde fui consagrado ao ministério pastoral e que foi a igreja onde meu pai exerceu seu ministério. É um momento delicado, a emoção é muito grande, mas pela graça de Deus eu prego. Volto para casa alegre, feliz por tudo quanto o Senhor me deixou viver neste dia.
É verdade, hoje faz dois meses que meu pai faleceu e trinta e sete anos do falecimento do meu avô. É uma data triste e meu coração está apertado, não tenho vontade de fazer nada. Quero ficar quieto num canto. Contudo, é neste dia que sento-me diante do computador para escrever, pois quando escrevo derramo o que vai dentro de mim. Pois é, hoje é um dia triste e neste dia é que consigo criar coragem para escrever sobre o que aconteceu nesta segunda-feira, dia 7 de Julho de 2008. Foi na segunda que a tragédia se abateu sobre a nossa família. A loja da nossa tia Sônia foi assaltada. Ela chama o Dida e este sai com o genro para ver se consegue alcançar o ladrão. Entretanto, ele passa mal e vem a falecer. Miriam me liga para dar-me a notícia. Não posso atender porque estou aconselhando uma família. Ela fala com Lílian, que depois me diz o que aconteceu. Que dor profunda invade meu ser. Que tristeza!
Tento falar com minha tia e não consigo. Vou procurando falar com toda a família. Mas não posso fazer nada e muito menos eles. O Dida já partiu. Ele já está com o Senhor. Eu cá fico com a lembrança de uma tarde que passei teologando com ele, fico com a imagem do seu sorriso em nossa despedida e digo a todos que farei aquilo que ele fez e que o seu nome significa. Gidalte, pois é, eu exaltarei o Senhor.
Até breve Dida.

Coimbra, 18 de Julho de 2008

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